quinta-feira, 14 de julho de 2011

A REFORMA LITÚRGICA e AS SOMBRAS...

Mons.  Bugnini, o grande articulador da Reforma Litúrgica.

Dossiê Liturgia uma babel programada
Andrea Tornielli
 (Fonte: Revista 30D


A substituição do latim pelo vernáculo na liturgia da Igreja católica foi considerada por muitos uma medida infeliz e saudada por outros como um “aggiornamento” necessário para favorecer a participação do povo. Todavia, não foi uma decisão do Concílio Ecumênico Vaticano II. O latim ainda é a língua oficial da Igreja, ou pelo menos foi durante dezoito séculos. Cinco anos depois do Concílio, não havia mais sinal dele nos livros litúrgicos católicos. A eliminação total da língua dos antigos romanos aconteceu quase à surdina e em alguns casos contra a vontade do Papa Paulo VI, o qual estabeleceu que ela deveria permanecer ao lado do vernáculo no missal. Esta é a história da reforma e dos protagonistas de um período que marcou profundamente a vida da Igreja.

A VONTADE DE JOÃO XXIII
     “A língua latina, que podemos considerar verdadeiramente católica (...) é o vínculo adequado através do qual a época atual da Igreja está admiravelmente unida ao passado e ao futuro.” O Papa João XXIII quis revestir a assinatura da Constituição Apostólica Veterum sapientiae com a maior solenidade.
     No dia 22 de fevereiro de 1962, colocou o selo no documento que deveria salvaguardar o latim como língua “imutável” e “universal” da Igreja e da liturgia católica no altar da Confissão, sobre o túmulo de São Pedro, na presença de quarenta cardeais. O documento, promulgado sete meses antes da abertura do Concílio, foi rapidamente esquecido, mas os bispos reunidos em Roma decidiram levá-lo em consideração. A Constituição Sacrosanctum concilium, sobre a liturgia, diz: “Seja conservado o uso da língua latina, salvo o direito particular”. (nº 36) e “Cuide-se para que os fiéis saibam recitar e cantar juntos, inclusive em língua latina, as partes do Ordinário da missa que lhes cabem”. (nº 54). O mesmo critério é usado para a Liturgia das Horas: “Segundo a secular tradição do rito latino, seja conservada a língua latina no Ofício Divino para os clérigos” (nº 101). Em 1964, o liturgista Rinaldo Falsini escreveu no seu comentário à Constituição conciliar: “O Concílio não podia pôr em discussão o princípio da manutenção da língua latina para os ritos que tomavam o nome daquela língua. Atualmente, um abandono integral do latim, em vista da vastidão do patrimônio litúrgico, seria impensável e irrealizável”.
     Falsini diz também que a luta contra o uso da língua latina na missa foi aberta pela reação protestante. Formalmente, a língua oficial da Igreja Católica continuava a ser o latim, inclusive nas intenções do Vaticano II. No dia 3 de setembro de 1978, o papa João Paulo I pronunciou em latim a primeira parte da homilia da missa solene de início do pontificado. Em seguida, explicou: “Quisemos iniciar esta nossa homilia em latim porque, como se sabe, esta é a língua oficial da Igreja, da qual exprime de forma palmar e eficaz a universalidade e a unidade”.
     Todavia, o latim foi substituído pelo vernáculo e desapareceu dos livros litúrgicos apenas cinco anos depois do encerramento do Concílio. O desaparecimento foi repentino e aparentemente não era intenção dos Padres conciliares, que votaram quase por unanimidade (2.147 votos a favor e 4 contra) um documento sobre a liturgia que previa a manutenção do latim e dava espaço ao vernáculo “especialmente nas leituras, nas homilias, em algumas orações e nos cantos”. A preocupação de João XXIII e do Concílio era clara: a permanência do latim garantia a solidez da doutrina expressa. Como foi possível “deslatinizar” inteiramente o missal e o breviário?